Izaskun S. Aroca e Héctor R. Letón
Diagonal
Segundo diferentes especialistas, 2010 foi um ano com uma das melhores colheitas da história. Contudo, as matérias primas básicas como o trigo, o milho ou o açúcar tiveram seus preços aumentados 25%, em média. Quanto às causas, é preciso busca-las na especulação das bolsas de valores com essas matérias primas e em um modelo de alimentação industrial dependente do petróleo. Nas ONU já se fala de uma situação “muito preocupante”. A Tunísia acendeu o pavio, e as revoltas se estenderam ao Egito e Iemen, entre outros. No Estado espanhol, o setor da criação de gado é o mais afetado pela alta dos cereais.
Commoddities, mercados de futuros, alavancamentos... a Bolsa fala, e o pão sobe. Desde 2007, uma nova terminologia invadiu os meios de comunicação, desconcertando todas as pessoas que só entendem uma coisa: que desde quando começou a se especular na Bolsa com matérias primas básicas como o trigo ou o açúcar, os preços dos alimentos se multiplicaram de maneira astronômica, provocando uma profunda crise alimentar, que já em 2008 aumentou em 100 milhões o número de pessoas famintas. Apenas três anos depois, o drama se repete. Segundo a FAO, em janeiro, pelo sétimo mês consecutivo, o preço dos alimentos alcançava um valor histórico ao aumentar 3,4% em relação a dezembro de 2010. Isso representa a maior alta nos últimos 20 anos, superando inclusive os níveis de junho de 2008, epicentro da crise alimentar.
No momento, revoltas pela alta dos preços já se contagiam de uma população para outra. A Tunísia, o Egito, a Argélia ou a Jordânia foram os primeiros a reagir diante de uma subida de preços de 25% em relação aos praticados no anos passado. Mas, essa nova crise não chega a surpreender: Em fins de 2009, Olivier De Schutter, relator especial da ONU sobre o direito à alimentação, afirmava: “Talvez seja em abril de 2010 ou de 2011, mas teremos uma nova crise de preços dos alimentos, por que as causas diretas da alta de 2008 ainda estão presentes”.
Segundo afirmou ao DIAGONAL, Ferrán Garcia, de Veterinários sem Fronteiras, “quase um terço das compras de cereais a futuros se encontra nas mãos de atores alheios à área, ou seja, que especulam com o alimento através, por exemplo, de fundos de investimentos. São
os que estão empurrando os preços do trigo agora”. A especulação é um dos meios através dos quais, por exemplo, o preço do trigo quase duplicou nos últimos seis meses. “O investimento em matérias primas gera muitos lucros e é uma coisa muito seguro. Os preços dos alimentos seguem disparando para cima na bolsa”, aponta esse especialista de Veterinários sem Fronteiras.
Enquanto isso, os jornais econômicos e os intermediários financeiros chamam para apostar nos cereais, enumerando as “boas perspectivas” que farão desse investimento um êxito. O que rara vez se cita como origem da alta dos preços são os especuladores.. “Eu prefiro referir-me aos investidores financeiros, que movem muito o mercado e tem um grande peso no comportamento dos preços”, declarava em outubro Juan Ignacio Crespo, diretor europeu da Thompson Reuters, ao diário Expansión.
A ênfase é colocada em outras questões, como a escassez de terra cultivável, a redução das colheitas ou as mudanças climáticas. “Esses também foram os argumentos de 2008, mas isso é falso. O que é fato é que a produção de cereais em 2010 é a terceira maior da história”, conta Ferrán Garcia. Junto com a especulação financeira, encontramos outra causa na escalada de preços das matérias primas: o crescimento da população. Segundo a FAO, se espera que o número de pessoas nos países em desenvolvimento cresça uns 70% entre 2007 e 2050. Esse aumento, que já está ocorrendo em alguns países, está incrementando a demanda de cereais.
Para Garcia, “em alguns países, como China e índia, o consumo interno cresceu, como aconteceu aqui há alguns anos. O problema é que a maneira de satisfazer esse consumo é através da agricultura e criação de gado industriais”. Ambos os modelos são muito dependentes do petróleo, utilizando-se muitos fertilizantes, embalagens e transporte. “Por isso, quando há uma alta no preço do petróleo, há muita repercussão no preço dos cereais”, sentencia Garcia. Segundo Ana Etchenique, vice-presidente, da Confederação de Consumidores e Usuários (CECU), “essa visão intensiva e industrial da criação de gado faz com que se incentive muito o consumo de carne e que, portanto, os grãos irão alimentar gado em vez de pessoas. Isso está acontecendo nos países em desenvolvimento e na Europa. Comer tanta carne nunca foi habitual em nenhuma cultura”.
Em 2008,o uso de cereais como agrocombustíveis também foi suposto como um fator determinante para a alta dos preços. “Neste ano, isso também pode ocorrer somente com o açúcar. O perigo real dos agrocombustíveis é mais ambiental e social”, sentencia Garcia.
Contudo, a repercussão do encarecimento dos alimentos não é a mesma em todas as partes, sobretudo nos países mais empobrecidos, onde entre 70% e 80% de suas receitas são destinadas à alimentação. “Esse extremo não é notado no Norte, embora ocorram cada vez mais bolsões de exclusão”, sentencia o especialista de Veterinários sem Fronteiras. De fato, segundo o Instituto Nacional de Consumo, no Estado espanhol um quinto dos salários é dedicado à alimentação, e ainda que a alta global de preços ainda não tenha se refletido nos últimos dados do IPC, Ferrán Garcia afirma que, a nível estatal ela se desloca de forma mais lenta e sobretudo aos alimentos processados.. “O mais perverso, explica Garcia, é que devido aos prognósticos, podem subir mais do que realmente deveriam”, algo que já aconteceu na crise anterior .
Segundo explica ao jornal DIAGONAL Felipe Medina, do sindicato agrário COAG, na Espanha o último IPC geral é de 3,3%, e isso vai repercutir entre a cidadania cedo ou tarde, já que o poder aquisitivo hoje é menor do que em 2008. Para Medina, no momento um dos setores mais afetados pela alta dos cereais é o da criação de gado, por que em muitos dos casos o cereal que é comprado para servir de ração é importado. “Esse setor não vai poder repassar essa alta nos preços nas vendas a intermediários e distribuidoras, enquanto estas ultimas sim aproveitarão essa medida e incrementarão suas margens de lucro, sempre às custas dos criadores de gado”, anuncia Medina.
Açambarcamento de terras
Desde 2008, os interesses investidores esforçam-se para controlar terras agrícolas na Ásia, África e América do Sul. A princípio, no início de 2008, a desculpa dos países do Golfo Pérsico, Coréia do Sul, Líbia ou Egito era a de conseguir soberania alimentar.Com o passar do tempo, foram os grupos financeiros que começaram a comprar terra no Sul.. Nesse caso, o argumento utilizado era a necessidade de diversificar interesses e propriedades. Segundo a revista agrária Grain, “até o momento, mudaram de mãos mais de 40 milhões de hectares, mais da metade da África”. Essa situação também começa a se estender para o Norte, como denuncia o que ocorre na Andaluzia (Espanha) Manuel Rodriguez, do Sindicato Andaluz dos Trabalhadores.
Fonte: http://www.diagonalperiodico.net/La-especulacion-con-alimentos.html
Tradução do espanhol: Renzo Bassanetti
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