quinta-feira, 20 de maio de 2010

Em Gualeguaychú a luta continua

Manifestantes de Gualeguaychú mantêm o bloqueio da ponte em protesto contra a Botnia

O bloqueio da estrada 136 em Arroyo Verde não será interrompido. A decisão foi tomada neste domingo por unanimidade em uma concorrida assembleia ampliada convocada pelos ambientalistas de Gualeguaychú. Ao mesmo tempo, os assembleístas endureceram sua postura e prometeram levar adiante ações relâmpagos no marco de suas reivindicações para fechar a pasteira UPB (ex-Botnia). O núcleo duro da assembleia se negou sequer a debater qualquer proposta que tivesse a ver com a flexibilização do bloqueio e voltaram a se mostrar críticos com o governo nacional e com o uruguaio. Outro grupo de participantes, que se declara contra a manutenção do bloqueio, desistiu de participar da convocação para evitar enfrentamentos. Os advogados da Assembleia Cidadã deveriam agora avaliar se é possível, além disso, entrar com uma demanda coletiva contra o Executivo, a Secretaria do Meio Ambiente e a Comissão Administradora do Rio Uruguai (CARU) por “descumprimento dos deveres de funcionário público” – que foi aprovada pela maioria.

A reportagem está publicada no jornal argentino Página/12, 17-05-2010.
A tradução é do Cepat.

Mal foi divulgada a sentença do Corte Internacional de Haia, vários assembleístas disseram que, com o veredito, o conflito, longe de se solucionar, se agravou. No domingo, na primeira convocatória ampliada da assembleia após a decisão, cerca de mil manifestantes da região apoiaram as ações levadas a cabo pelos assembleístas, inclusive o bloqueio da estrada, o que acaba jogando por terra as esperanças que se alimentavam nos dois lados do rio sobre um possível levantamento do bloqueio. O segundo objetivo era definir uma bateria de ações em resposta a uma sentença que qualificaram de “ruim, arbitrária e ambivalente”.
A tarde fria e cinzenta de domingo em Gualeguaychú atrasou a chegada dos manifestantes ao Clube Juventude Unida, sede da reunião que começou depois das 15h30. Na quadra de basquete, com capacidade para 5.000 pessoas, os participantes foram se achegando nas arquibancadas e cadeiras de plástico. Num dos lados, uma enorme tela serviria para apresentar uma síntese das provas que a Chancelaria argentina apresentou no processo levado à Corte de Haia. Através dela também se fez a ordenação da participação dos oradores e a organização do debate. Menos da metade das pessoas conseguiu ficar até o final da reunião, que se estendeu por mais de quatro horas. O placar utilizado nos jogos serviu para cronometrar as intervenções de três minutos para cada um: uma buzina indicava que o orador tinha dois minutos adicionais, depois dos quais, se ainda continuasse a falar, uma cigarra ensurdecedora o silenciava. Três coordenadores e oito observadores estavam a postos para garantir o desenrolar normal das votações. Nas paredes, as habituais faixas e blocos estavam abertos: “Se tocam no bloqueio tocam em todos nós”, rezava uma, como advertência do que finalmente se resolveria.

No ar e na água

A primeira meia hora da assembleia estava reservada a uma equipe técnica que explicou os estudos que a Secretaria de Meio Ambiente havia realizado em conjunto com os laboratórios das Universidades de Buenos Aires e La Plata. A apresentação procurou dar conta dos pontos centrais que não foram levados em conta pela decisão judicial. O propósito foi mostrar que a UPM-Botnia foi responsável por introduzir mudanças no ecossistema da bacia fluvial. Com uma crítica explícita à Haia por se declarar incompetente no que se refere à poluição do ar, a equipe de profissionais destacou os 78 episódios registrados na cidade no período de nove meses, em que se havia registrado cheiro ruim decorrente da atividade da pasteira, assim como os episódios de derramamento de efluentes líquidos. Para os técnicos, havia só uma explicação: os componentes encontrados no ar e na água provinham do processo de tratamento da pasta de celulose realizado na planta de Fray Bentos. “Estas provas permitirão levar o reclamo pelo ar poluído a outro tribunal internacional”, concluíram, otimistas. Os advogados que os sucederam na fala se expressaram no mesmo sentido.
Após duas horas de exposição, a palavra “bloqueio” sequer havia sido mencionada. O núcleo mais duro dos ambientalistas havia antecipado a Página/12 que a iniciativa de submeter à votação a continuidade do bloqueio não partiria deles. A polêmica pegou fogo quando um dos integrantes da assembleia, Eduardo Simón, propôs, após “conscientizar” os habitantes de Fray Bentos e de todo o Uruguai, levar adiante uma espécie de flexibilização da medida que – através de um cartaz limitador de altura para impedir a passagem de caminhões e microônibus – permitisse a circulação de carros pequenos em ambos os sentidos nos finais de semana. A iniciativa gerou alguns tímidos aplausos vindos do fundo do salão, mas quando estava a ponto de ser submetida a votação, Juan Carlos Barrios pediu uma moção de ordem para suspender a votação. Barrios havia sido o oitavo orador e havia proposto “reafirmar todas as ações (levadas a cabo pela assembleia) e incrementá-las com fatos novos”, mas, além disso, “ratificar as ações realizadas até esse momento, sem modificações”.
Esta última parte trouxe confusão, já que Barrios defendeu que a proposta flexibilizadora era redundante com a sua que havia sido aprovada por maioria. Em conversa com este jornal, Barrios afirmou que sua intenção foi não falar explicitamente de bloqueio, mas ao mesmo tempo “garantir” a sua continuidade. Esta discussão gerou alguns murmúrios entre os assembleístas que, por sua vez, defendiam a revisão do que havia sido votado antes, e por outro lado, achavam que não era necessário e que essa proposta abarcava o bloqueio. Finalmente, após um quarto intermediário, não se voltou atrás e a proposta moderada naufragou sem chegar a ser votada.

Fator surpresa

Depois do episódio, a assembleísta Silva Echavarría propôs não evitar o tema: “O bloqueio de Arroyo Verde nos representa”, afirmou. Depois disso, não apenas se aprovou a sua continuidade, como também reforços nas guardas e nas condições nas quais hoje se leva a cabo. Antes, os moradores consideraram apropriado retomar as ações surpresas para manifestar-se contra a planta – suspensas enquanto se aguardava o desfecho do julgamento em Haia –, mas dentro do marco da comissão de ações da assembleia, para evitar as “ações secretas” que já haviam sido erradicadas. Intermediando o debate, a assembleísta Natacha Crimella lançou uma iniciativa para entrar com um processo coletivo contra o governo nacional, a Secretaria de meio Ambiente e a CARU por “mau desempenho, ineficácia e inoperância como funcionário público”. A moção foi aprovada por maioria, mas surpreendeu a quantidade de abstenções que superava amplamente o número daqueles que se manifestaram favoráveis à aprovação. O tema passará para a área legal da assembleia, que avaliará a sua viabilidade.
Uma nova assembleia ampliada foi marcada para dentro de 60 dias. Intensificar as reuniões com diferentes setores da Argentina e do Uruguai; realizar uma caravana pela estrada 14 no domingo dia 30 de maio; e abrir uma comissão de acompanhamento do bloqueio de Arroyo Verde, foram ideias que colheram apoios, assim como a sugestão para que se aumentem os pedágios com destino ao Uruguai.
“Peço-lhes que continuem lutando”, exortou a ambientalista uruguaia Delia Villalba dirigindo-se à multidão e com severas críticas às autoridades de seu país, muito aplaudidas. “No dia em que o governo manifestar que seu objetivo coincide com o da luta” dos assembleístas pelo fechamento da pasteira, “nesse dia nos reuniremos e decidiremos se estão dadas as condições para uma mudança de rumo”, concluiu Martín Alazard, à maneira de resumo da mensagem que os ambientalistas enviaram.

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