Agrotóxicos
Quarta-feira, 30 de Junho de 2010
Um perigo invisível
Embora tenha o seu uso regulamentado pelo Congresso Federal, os agrotóxicos causam diversos danos à saúde e ao meio ambiente. Os agrônomos, que apóiam o uso desses venenos, desconsideram os graves prejuízos que se tornam irreversíveis em longo prazo.
Paulo Jr e Caroline Abreu
Em busca de soluções ecológicas - o Departamento de Fitossanidade, da Faculdade de Agronomia da UFRGS, estuda os diferentes tipos de pragas que interferem a atividade rural
Por Caroline Abreu e Paulo Finatto Jr. - estudantes de jornalismo da FABICO/UFRGS
Em 2008, um estudo divulgado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) alertou a população brasileira a respeito de um sério problema. Os agrotóxicos, utilizados em grande parte das plantações de todo o país, não atendiam as exigências determinadas da Lei nº 9.974, que determina as regras para a utilização desse tipo de produto químico. Em cerca de duas mil amostradas coletadas – entre verduras, legumes e frutas –, mais de 15% apresentavam níveis elevados de componentes tóxicos.
Nos dias de hoje, a premissa de que os agrotóxicos são seguros desde que corretamente utilizados está verdadeiramente fragilizada. De acordo com um trabalho conduzido nos Estados Unidos por pesquisadores de diversos institutos, agricultores que manuseiam os pesticidas agrícolas apresentam taxas maiores para alguns tipos de câncer. Além disso, outros agravos à saúde também são relacionados ao trabalho no campo e ao uso de produtos químicos – como asma, doenças neurológicas e uma série de manifestações reprodutivas anormais. Ou seja, mesmo que um trabalhador procure adotar todos os cuidados recomendados para a aplicação de agrotóxicos, eles são insuficientes para garantir a segurança e prevenir impactos ao ambiente e ao próprio organismo.
O início do problema
A utilização em grande escala desses produtos começou após o fim da Segunda Guerra Mundial, quando o uso do dicloro-difenil-tricloroetano (DDT) se popularizou, sobretudo no combate aos mosquitos causadores de doenças como a malária e o tifo. No entanto, os resíduos – que iam parar no oceano – se acumulavam em algas. Na continuidade da cadeia ecológica, o pesticida se transferia para os peixes e, consequentemente, para as aves. O DDT, muito mais concentrado no organismo desses últimos animais, fragilizava a calcificação dos ovos. Na hora de chocar, as aves fêmeas quebravam os ovos – o que comprometia a nova geração de filhotes.
Não demorou muito para que se descobrisse que o DDT causava câncer e efeitos negativos para o corpo humano, principalmente para o coração, para o fígado, para os rins e para o cérebro. Depois de quarenta anos de uso do DDT, o emprego de agrotóxicos aumentou em 700% e quase dois terços da produção agrícola mundial sai de lavouras que utilizam esse tipo de produto.
De acordo com o professor do Departamento de Fitossanidade da Faculdade de Agronomia da UFRGS, Valmir Duarte, a implementação dos agrotóxicos foi uma consequência da necessidade de transformar o ambiente agrário em uma indústria com grande quantidade de produção. “Se tu tens uma colheitadeira, não adianta ter plantas de alturas diferentes. Na hora de colher, tu vais perder o material. Então houve um processo de uniformização. Mas isso fez com que as plantas, por serem todas idênticas, ficassem suscetíveis a ataques de pragas. Se, numa plantação de mil hectares, um pé fosse infectado, a doença se espalharia para todos os demais”, comenta Duarte.
No entanto, o engenheiro agrônomo Sebastião Pinheiro vai além sobre o início da utilização dos pesticidas agrícolas. “O agrotóxico é uma tecnologia que surgiu no século XIX, altissimamente rentável. O pior não é isso: o agrotóxico não foi criado para a agricultura. O agrotóxico foi criado como um insumo industrial destinado à agricultura, mas ele foi inventado e descoberto para ser utilizado na guerra. Ele é uma arma química”, afirma Pinheiro.
De qualquer forma, o Brasil tornou-se um dos maiores produtores agrícolas do planeta – e, também, o maior consumidor mundial de agrotóxicos. O crescimento das vendas no país vem crescendo praticamente de forma contínua. De 2002 a 2008 as vendas de agrotóxicos aumentaram em quase quatro vezes, chegando a US$ 7,1 bilhões e ultrapassando os EUA. Para Pinheiro, isso é resultado da subjugação da agricultura brasileira à economia mundial. “Nós funcionamos de forma muito imatura. Nós funcionamos como se fosse uma moda. Há o ápice no lançamento, a crescida e depois a caída. Hoje o agrotóxico está em queda livre. No entanto, o Brasil é o primeiro mercado do mundo”, critica o engenheiro agrônomo.
A relação próxima entre o Brasil e os agrotóxicos
Existem cerca de 15 mil formulações para mais de quatrocentos tipos diferentes de agrotóxicos. No Brasil – país que é o maior consumidor desse tipo de produto, de acordo com a Anvisa –, somente oito mil composições químicas são permitidas para o uso. Na maioria dos casos, os agrotóxicos são utilizados para exterminar pragas ou doenças que comprometem a produtividade do ambiente agrário. Entretanto, essa classe de substância ainda pode ser adquirida para limpeza e desinfecção de estábulos, por exemplo.
“Um agrotóxico é um insumo industrial, esta é uma palavra-chave. Um insumo industrial é um produto que passa a ser necessário, ou não, em determinado tipo de processo. O processo, no caso, é a agricultura. E o agrotóxico vai ser trazido para a agricultura como algo fundamental”, afirma Pinheiro. Existe uma série de possibilidades para a classificação dos agrotóxicos. Entre as principais categorias estão os inseticidas (que combatem as pragas que só existem por causa do desequilíbrio que esse tipo de agricultura gera), os fungicidas (que agem sobre os fungos) e os herbicidas (que atuam contra as ervas daninhas indesejáveis). A organização Mundial da Saúde (OMS) classificou os efeitos dessas substâncias em classes, que se dividem entre “extremamente perigosos” até “muito pouco perigosos”. No Brasil, os defensivos agrícolas são separados por faixas: extremamente tóxicos (faixa vermelha), altamente tóxicos (faixa amarela), mediamente tóxicos (faixa azul) e pouco tóxicos (faixa verde).
Em razão do seu caráter sintético, o impacto negativo dos agrotóxicos sobre o meio ambiente existe em todos os casos em que o produto é empregado. As consequências variam conforme o tipo do produto e a quantidade. De um modo geral, os agrotóxicos podem causar desde tonturas, desmaios e dores de cabeça até a alteração do funcionamento cerebral e respiratório, além da morte por envenenamento.
No entanto, o perigo que envolve a utilização de agrotóxicos parece não estar ainda no centro das atenções no Brasil. “Quando nós começamos a campanha contra o envenenamento, não era uma brincadeira. Era 1,2 milhão de intoxicados por ano e doze mil mortos. Você vai me perguntar: mudou? Eu diria que não. Hoje está invisível”, declara Pinheiro.
“No Brasil, é proibido ensinar o perigo dos agrotóxicos. Os agrônomos formados em universidades brasileiras não têm noção do risco e do perigo do uso desses produtos. Eles são formados fanáticos pelo uso de agrotóxicos”. No alvo da discussão, o ensino superior é criticado por ser um misto de incompetência e de corrupção por parte dos professores. “Não havia uma preocupação com as mortes e com as intoxicações por agrotóxicos, pois quem vendia o antídoto era justamente quem fabricava o veneno. A empresa ganha nas duas pontas. Se essa é a situação, nós deveríamos ter mecanismos de educação e legislação para evitar este negócio, que é pior do que antiético”, afirma o engenheiro agrônomo.
O agrotóxico na nova ordem mundial
No mundo atual, cerca de oito empresas detêm o oligopólio da produção de agrotóxicos. Enquanto que na Europa uma pessoa só pode comprar um pesticida rural após participar de um curso e de obter uma autorização, a maioria das fábricas está em países da América Latina e da Ásia. No caso específico do Brasil, os agrotóxicos não são taxados com o ICMS pelo governo – o que, aliado com a fiscalização deficiente – faz da utilização do produto uma prática extremamente comum e perigosa meio rural. De acordo com a Anvisa, o uso intenso de agrotóxicos levou algumas regiões do país, sobretudo as mais pobres, à degradação dos recursos naturais – solo, água, flora e fauna – de forma irreversível, em muitos casos.
“Hoje, nenhuma fábrica de agrotóxicos está na Alemanha, no Japão ou nos Estados Unidos. Todas elas foram exportadas a partir de 1980 para os países periféricos, como o Brasil, o México, a Argentina e a China. Por quê? O agrotóxico é uma tecnologia ultrapassada. Não dá mais rentabilidade”, explica Pinheiro. O pesticida agrícola – enquanto produto industrial – é fabricado a partir do petróleo desde o século XIX e, em grande escala, durante o século XX.
Todas as consequências perigosas
Em 1962, o livro “Primavera Silenciosa” – da bióloga americana Rachel Carson – foi a primeira obra a detalhar os efeitos nocivos da utilização dos pesticidas e dos inseticidas. Na época, a autora advertiu a sociedade para o fato de que o uso dos produtos químicos, para o controle de adversidades no ambiente rural, sem nenhum tipo de pesquisa prévia, interferia diretamente sobre o solo, a água, os animais e até mesmo sobre o próprio homem. Com o debate público iniciado por Carson, algumas das substâncias listadas pela autora foram proibidas ou sofreram restrições governamentais em todo o mundo.
No Brasil, a introdução de inseticidas fosforados para substituir o uso do DDT – no início dos anos cinquenta – veio acompanhada de um método historicamente inadequado: os agricultores eram ensinados a misturar o DDT (vendido em forma de pó solúvel) com a própria mão. Como esse tipo de produto possui uma dose letal alta – demanda uma alta absorção para provocar a morte –, somente após quinze anos os problemas de saúde apareceriam entre os trabalhadores do ambiente rural. No entanto, quando o agricultor tentava repetir a mesma técnica com o novo produto fosforado, muito mais perigoso que o anterior, caía morto, fato que se repetiu em diversas regiões do território nacional.
Há uma explicação para isso. “A propaganda do agrotóxico é feita pra um agricultor analfabeto, ou semi-analfabeto, isolado. E se você analisa, vê que ela é feita como para uma criança de seis ou oito anos”, critica Pinheiro. No entanto, a informação correta, além de não chegar ao destinatário mais interessado – o agricultor –, carece de uma diferenciação complexa entre as regiões do Brasil. “O argumento de que respeitados os prazos, entre aplicação e consumo, se eliminam os perigos não é verdadeiro. Por ser o Brasil um país vasto de diferentes características climáticas, os prazos deveriam ser diferentes – mas não são. No Brasil, o prazo único é de trinta dias. No Nordeste leva-se menos tempo para eliminar o risco; no Sul, mais. Além disso, o formato da fruta também influencia – maçãs, por exemplo, possuem mais reentrâncias, logo, mais agrotóxicos ali se acumulam”, complementa o engenheiro agrônomo.
Certamente, não restam dúvidas. O uso crescente, generalizado e intensivo de agrotóxicos gera impactos prejudiciais à saúde e ao ambiente. De acordo com o Ministério Público, cerca de cinco mil agricultores morrem por ano em decorrência da contaminação com agrotóxicos. O desequilíbrio ecológico ocasionado também acarreta problemas à própria agricultura, agravando o surgimento e a resistência de novas pragas. “O que eu vejo, para o futuro, é que toda a produção agrícola terá de se submeter a uma certificação ecologicamente responsável. Haverá um controle que hoje não se tem”, acredita Duarte.
Em uma realidade menos animadora, a falta de uma educação sustentável compromete de maneira significativa o futuro da agricultura. “Criam-se necessidades que poderiam ser supridas com matérias naturais. Tratores substituem bois, fertilizantes substituem esterco, agrotóxicos substituem manejos naturais. Está claro que essas substituições só ocorrem porque são rentáveis para quem produz a nova tecnologia”, critica Pinheiro.
Se ainda não existe uma unanimidade em definir o futuro da agricultura – se exclusivamente através do cultivo de orgânicos ou por meio de recursos da biotecnologia – um pensamento precisa dominar o ambiente rural: o ciclo dos agrotóxicos precisa acabar. As consequências do seu uso são irreversíveis para o ser humano e para o meio ambiente.
Leia também:
Agrotóxicos - Informações para Uso Médico - Sintomas de Alerta e Tratamento da Intoxicações
Matéria produzida na disciplina Jornalismo Ambiental sob a orientação da professora Ilza T.Girardi (Fabico/UFRGS)
Fonte: http://www.ecoagencia.com.br/?open=noticias&id=VZlSXRlVONlYHZEVjZkVaN2aKVVVB1TP
Eu gostaria que falasse das doenças que causa na pessoa mas sem explicar a doença,porque assim fica difícil.
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