sexta-feira, 13 de agosto de 2010

SAIR DA CRISE?

Publicado em A Nova Democracia, nº 68, agosto de 2010

Adriano Benayon * - 26.07.2010

Contas externas

No artigo publicado em junho de 2010, “O Brasil e o Colapso Mundial”,
apontei que o Brasil deixou, desde a crise de 2007/2008, de ter saldos
positivos nas transações correntes com o exterior e que, no 1º
trimestre de 2010, o déficit dessa conta atingiu recorde: mais de US$
12 bilhões.

2. Agora dispomos dos dados para todo o 1º semestre, período em que
esse déficit atingiu US$ 23,8 bilhões. Só não aumentou mais, porque em
maio entraram em cena as exportações ligadas à safra agrícola. Mas em
junho o ritmo de crescimento do déficit acelerou-se novamente.

3. A balança comercial teve saldo positivo de 7,9 bilhões. As
transferências unilaterais (remessas de trabalhadores brasileiros no
exterior), também tiveram superávit de US$ 1,51 bilhões.

4. Isso significa que o déficit de “rendas e serviços” foi de nada
menos que U$ 33,21 bilhões. Nesta conta predomina o peso das “rendas”,
com U$ 19,4 bilhões, quantia da qual estão deduzidos os rendimentos de
capitais brasileiros no exterior.

5. Portanto, o capital estrangeiro prossegue remetendo vultosos lucros
ao exterior, não obstante o Brasil vir tendo medíocre crescimento
econômico, valendo, ademais, notar que os rendimentos líquidos
oficiais das transnacionais não incluem os serviços superfaturados e
fictícios, nem o subfaturamento de exportações e o superfaturamento de
importações.

6. O próprio comércio de mercadorias, i.e., a balança comercial,
confirma estar o Brasil afundando no em subdesenvolvimento. De fato,
quando se trata de bens de maior conteúdo tecnológico, em vez de
superávit, cresce o déficit, como se dá com os eletroeletrônicos, em
que, nos seis primeiros meses de 2010, as exportações foram de US$
3,64 bilhões e as importações, US$ 15,76 bilhões.
7. O balanço de pagamentos está sendo falsamente equilibrado com
ingressos líquidos de investimentos estrangeiros, diretos - de longo e
curto prazo - além de empréstimos e financiamentos. Trocando em
miúdos, enquanto cresce a perda de recursos correntes para o exterior,
o capital estrangeiro eleva a base sobre a qual novas perdas serão
geradas.
8. Continua, portanto, elevada e ascendente a saída de recursos do
Brasil, resultante de ser o mercado brasileiro controlado por empresas
transnacionais, subsidiadas por múltiplas benesses proporcionadas
pelas leis e regulamentos do País, sob o comando de interesses
imperiais forâneos.

9. Aumenta, desse modo, a já excessiva ocupação dos mercados de bens e
serviços, via investimento direto estrangeiro, e a exploração dos
mercados financeiros por parte do capital estrangeiro de curto prazo.

10. Pode-se estimar uma provável crise externa do Brasil, ainda este
ano, já que a depressão mundial está cada vez mais enraizada, e a
derrocada financeira se apresenta iminente. A primeira implica queda
nas receitas de exportação, e a segunda, saída de capitais para cobrir
rombos nos EUA, Europa e Japão.

“Investindo” com o nosso dinheiro

11. Predomina cada vez mais na economia brasileira o capital das
empresas e bancos transnacionais. A implantação destas no Brasil foi
grandemente favorecida por subsídios governamentais. Além disso, a
política econômica prejudicou, pelo menos comparativamente, as firmas
de capital nacional.

12. Desse modo, as transnacionais foram estendendo e aprofundando seu
controle sobre os mercados, bastando-lhes aproveitar os subsídios e
investir os ganhos obtidos no Brasil. Nos últimos decênios vêm,
ademais, recebendo vultosos empréstimos do BNDES, o banco federal de
desenvolvimento, a juros favorecidos.

13. Assim, para explorar os mercados, em condições de oligopólio, nem
precisam, nem nunca precisaram, fazer ingressar no País quantidade
significativa de dólares.

Moeda falsa

14. Para as aplicações especulativas, o capital estrangeiro tampouco
tem qualquer dificuldade, pois os dólares são emitidos a rodo, não
havendo garantia alguma de que os aqui convertidos em reais não passem
de falsos ativos monetários criados em computadores de agências de
bancos em paraísos fiscais.

15. Além disso, a emissão de dólares nos EUA não guarda relação com
alguma coisa de real valor, pois o FED e o Tesouro dos EUA têm
despejado nos bancos trilhões de dólares, na casa dos dois dígitos,
com a finalidade de cobrir os rombos resultantes das jogadas dos
próprios banqueiros.

16. Assim, é muito fácil para os praticantes do “carry-trade” obter os
dólares para convertê-los em reais e auferir ganhos aproveitando o
absurdo diferencial entre as altas taxas de juros aqui praticadas e as
baixas taxas, quando não negativas, prevalecentes no exterior. Além
disso, os ganhos da apreciação da taxa de câmbio do real.

Poder mundial

17. A oligarquia financeira anglo-americana concentra o poder
econômico e exerce o poder político real, encoberto pela fachada dos
“governos constituídos” dos países centrais, de seus associados,
satélites e áreas periféricas exploradas.

18. Essa oligarquia sabe quais são as fontes do poder. A primeira
delas é a criação de moeda, controlando os bancos, que o fazem por
meio do crédito, e dominando os bancos centrais, que emitem moeda
diretamente, sejam eles privados, como nos EUA, sejam públicos, como
no Brasil.
19. A primeira fonte do poder, a oligarquia a quer monopolizada e sem
limites. Por isso restringe o uso da segunda fonte: os metais
estratégicos e os preciosos, boicotando, por ex., o uso do ouro como
reserva de valor.

20. Mas monopoliza esses metais, cujas minas detém em todo o Mundo, e
acumula estoques. Impede, ademais, que a emissão de moeda em papel e
escritural seja limitada por uma proporção com o ouro ou outro ativo
real.

21. Os controladores dos mercados financeiros geram oferta falsa do
ouro, manipulam seu preço para baixo e tolhem sua procura, deixando as
pessoas sem opção segura de onde pôr as economias, e reféns das moedas
emitidas ao bel prazer da oligarquia e fadadas a brutal
desvalorização.

22. A terceira fonte do poder é a energia. Não admira que a oligarquia
anglo-americana controle a comercialização do petróleo, desde a época
das sete irmãs - hoje apenas quatro, duas norte-americanas e duas
britânicas. Não admira tampouco que o petróleo e outros combustíveis
fósseis continuem sendo as principais matérias energéticas, não
obstante os terríveis danos que causam à saúde e ao meio-ambiente.

23. A quarta fonte do poder são as forças armadas. Estas asseguram,
por ex., o suprimento de petróleo e que este seja vendido em troca de
dólares. Desse modo o poder militar se combina com o da energia e o da
moeda.

24. A quinta fonte é a indústria das ilusões, abrangendo os meios de
comunicação e universidades de elite, pertencentes a fundações da
oligarquia ou por ela estipendiadas. A função dessa indústria é fazer
aceitar os absurdos como se fossem naturais e justos, coadjuvadas
pelos negócios da drogas e da anticultura, que embotam os espíritos.

Crise e depressão

25. Enquanto isso, aguarda-se nova crise no quadro do colapso
econômico mundial, caracterizado, de um lado, pela depressão da
economia real com desemprego altíssimo e crescente, e de outro lado,
por explosões: a) empréstimos impagáveis; b) dos títulos, inclusive
derivativos, com alto valor nominal e quase sem valor de mercado, em
parte já empurrados para os governos; c) a dos títulos da dívida
pública dos EUA, de países europeus e do Japão; d) os reflexos disso
tudo nas economias periféricas, como a brasileira.

26. Tudo isso é problema nosso. É dos povos e de verdadeiras
lideranças que os queiram conduzir à libertação. Os concentradores do
poder não vêem problema algum nas crises que criam. Ao contrário, elas
lhes servem para prosseguir concentrando mais poder e retirando de um
número cada vez maior de pessoas os meios que as ajudariam a reagir.

Adriano Benayon é Doutor em Economia. Autor de “Globalização versus
Desenvolvimento”, editora Escrituras. abenayon@brturbo.com.br

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